O acidente que mudou a minha vida - Parte 1

    Vera Lucia
    é pedagoga e atua como vice diretora educacional de uma escola pública. Tornou-se uma pessoa com deficiência devido a um acidente na infância. Está na luta por uma inclusão de qualidade e mantém o blog Deficiente CienteGraduação UNIDERP,  curso  Fisioterapia
Colunista Deficiente Online.

O acidente que mudou a minha vida – Parte 1

Dia quatorze de novembro, uma data que jamais esquecerei em toda minha vida. Nesse dia, acordei bem cedo, olhei o céu e o dia estava simplesmente lindo. Como um dia como aquele poderia terminar de uma maneira tão trágica.
Segundo meu pai, antes do acidente, ele teve muitos pesadelos. Ele disse que chegou a sonhar com que relatarei agora. Não sei se foi mau presságio ou uma fatalidade, mas aconteceu...

Exatamente às cinco horas da tarde eu e meus três irmãos assistíamos o seriado "Sítio do Pica Pau Amarelo", não perdíamos um capítulo sequer. No entanto, naquele dia fugimos da nossa rotina e não ficamos na sala de casa, como era de costume, para assistir o seriado. Até hoje não entendemos o porquê de não ficarmos na sala. Por que exatamente naquele dia não ficamos ali, quietinhos, sentadinhos, como sempre fazíamos? Por que tudo tinha que ser daquele jeito? Por que, por que...

Existem certos acontecimentos em nossas vidas que fogem da nossa compreensão e do nosso entendimento. Como explicar o inexplicável? E assim eu e meus irmãos fomos para frente de nossa casa para brincar. Eu tinha onze anos e meus irmãos respectivamente: dez oito e três anos de idade.

Fiquei ali, embaixo da marquise de casa, pulando corda com meu irmão do meio. Enquanto isso, meus outros irmãos brincavam quase perto da calçada. No momento em que pulávamos corda, eu e meu irmão brigamos, ele parou de brincar e se juntou aos meus outros irmãos. Incrível, só foi o tempo de ele sair, para que uma parte da marquise desabasse sobre mim. Foi tudo tão rápido, de repente eu me vi coberta por grandes pedras de concreto e ferro, estava presa no meio de tudo aquilo. Não desmaiei, estava consciente, mas não entendia como tudo aquilo foi parar em cima de mim. Só conseguia ver uma vizinha gritando e desmaiando. Queria gritar para que me tirassem dali, mas naquele momento não tinha forças para falar, muito menos pra gritar. Não sentia nenhuma dor, era como se todo o meu corpo estivesse anestesiado, acredito que se sentisse dor morreria naquele momento, pois seria insuportável. Minha mãe era a única pessoa em quem eu podia sentir força e coragem. Meu pai tinha acabado de voltar do trabalho e quando viu tudo aquilo se trancou no banheiro, foi preciso à ajuda dos bombeiros para retirá-lo de lá. Em relação aos meus irmãos, o mais velho só chorava, o do meio fazia um buraco na areia, pois dizia que queria se enterrar vivo e o mais novo gaguejava. Não fui só eu quem sofreu o acidente, mas toda minha família.

Naquele momento as pessoas não sabiam o que fazer então minha mãe, com toda coragem que possuía e possui, pediu aos vizinhos para que retirassem os escombros que estavam em cima de mim. Após a retirada desses, minha mãe me enrolou num lençol, enquanto ela enrolava, via o estado em que tinha ficado meu braço e minha perna direita - meu braço estava mais comprometido. Minha mãe carregou-me até o táxi solicitado por um vizinho. Coitado do taxista. Certamente ficou chocado em ver uma cena estarrecedora como aquela: eu segurando o meu braço direito todo dilacerado, minha mãe segurando minha perna também dilacerada, o sangue tomando conta do banco traseiro e eu gritando para minha mãe e para ele que não queria morrer. Desesperadamente, dizia a ele: “Moço, corre mais rápido! Eu não quero morrer! Tenho uma vida pela frente!" Ele e minha mãe procuravam me acalmar e diziam que tudo terminaria bem. Quando dei entrada no hospital, sentia que minhas forças estavam me abandonando. Sentia que tudo estava terminando para mim. Nesse momento, tive duas sensações estranhas, é muito difícil relatar sobre isso, tentarei explicar, mas acredito que somente quem passa por uma situação como essa sabe do que estou falando. A primeira sensação era muito boa, de entrega, de paz, me forçava a ir embora, sentia que se eu fizesse aquilo, todo meu sofrimento acabaria. A segunda sensação era bem diferente da primeira, era preciso lutar incansavelmente, reagir para não ir embora, me esforçar ao máximo. No meu íntimo, queria me entregar àquela sensação agradável, mas ao mesmo tempo não queria ir embora, precisava reagir, precisava ficar, tinha muitas coisas ainda para fazer, tinha uma vida para viver... E foi nesse exato momento que eu abri os olhos e consegui dizer ao enfermeiro, que tinha acabado de me colocar na maca, que não conseguia respirar. Imediatamente ele correu e me trouxe o balão de oxigênio.

Fui levada ao centro cirúrgico e permaneci nesse local por quatro horas. Antes da cirurgia, o médico disse a minha mãe que não havia chance de sobrevivência, devido à gravidade dos ferimentos. Havia perdido muito sangue e ele acreditava que eu não resistiria à cirurgia. Contudo, minha mãe continuou confiante, acreditando em Deus e na minha recuperação. Ela disse dessa maneira ao médico: "Antes da minha filha estar em suas mãos, ela está nas mãos de Deus".

Após quatro horas de cirurgia, o médico veio comunicar a minha mãe que eu tinha conseguido sobreviver e que foi um milagre.

Sai da sala de cirurgia e fui encaminhada para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), pois existia ainda a possibilidade de risco de morte. No segundo dia de UTI, consegui abrir pela primeira vez os olhos, após a cirurgia. Percebi que havia sobrevivido, percebi que ainda tinha uma vida para viver e que dali para frente teria que aproveitá-la muito bem. Depois de uma semana na UTI, fui encaminhada para o quarto do hospital, onde permaneceria por três meses. Do quarto podia ver o céu, e por incrível que pareça, o dia estava lindo...

Quero aproveitar este espaço e agradecer a todos que me ajudaram nessa difícil batalha: primeiro a Deus, se não fosse por ele não estaria aqui contando a história; as pessoas que me doaram sangue; aos vizinhos; ao taxista; aos enfermeiros; ao médico e a minha família. Agradeço especialmente a minha querida mãe, porque ela não duvidou, em nenhum momento, da minha recuperação e esteve e está sempre ao meu lado.

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Deficientes, inclusão de deficientes, artigos sobre deficientes

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